quinta-feira, 21 de maio de 2009

Vidas Secas

Vidas Secas, uma das obras mais consagradas da literatura regionalista brasileira do grande escritor alagoano Graciliano Ramos, nasce a partir de contos escritos por necessidade e sem nenhuma pretensão de grande sucesso por parte do autor. No entanto, o conjunto da obra, que foi construída a partir do conto Baleia, traz em si características marcantes do povo sofrido do Nordeste, com cuja realidade Graciliano conviveu diretamente. Ao ser tecido como contos, Vidas Secas possui capítulos quase que independentes, porém, apresenta uma narrativa linear, na qual o flashback também é usado diversas vezes para ilustrar o por quê de certas atitudes das personagens: Fabiano, sinhá Vitória, o menino mais velho, o menino mais novo e Baleia. Graciliano realmente envolve o leitor ao descrever a complexidade psicológica de suas personagens. Uma característica marcante na obra é a de que se misturam os discursos do narrador, das personagens e do próprio escritor! Várias são as passagens em que isso pode ser observado, basta lermos com atenção e com um olhar de interesse pela história.


O desespero da fome em meio à seca é mostrado logo no início, quando Fabiano e sua família compartilham do mesmo alimento: o papagaio de estimação. Avistando um tempo “próspero”, instalam-se numa fazenda aparentemente abandonada e passam a prestar serviços ao seu dono, o qual sempre age injustamente ao pagar pelos serviços. Porém, Fabiano sempre reage passivamente frente às injustiças da vida, pois é um homem (e ainda questiona se o é de fato) que vive a vagar por terras alheias sem nenhuma perspectiva, porque a vida o fizera ser assim. Mesmo diante de maus tratos, humilhações, calava-se. Oportunidade não lhe faltou, por exemplo, de vingar-se do soldado amarelo, que o humilhara ao mandá-lo para a cadeia por conta de sair de um jogo sem “autorização”.


Sinhá Vitória só tinha um desejo: possuir uma cama que nem a do seu Tomás da bolandeira! Mulher virtuosa, companheira e bastante inteligente, é a típica mulher sofrida do sertão: mãe, esposa, dona de casa, submissa. O menino mais velho destaca-se na história com uma curiosidade: queria saber sobre o inferno! Achara a palavra bonita ao ouvi-la da “rezadeira”, sinhá Terta, mas se decepcionara ao perguntar para a mãe seu significado. O menino mais novo sonhava ser igual ao pai. Em sua imaginação passava-se todo um universo de coisas possíveis, como, por exemplo, cavalgar num bode assim como seu pai o fazia num cavalo... E o que dizer de Baleia e de sua caça aos preás? Descrita com características humanas, a sofrida cadelinha era a alegria da casa, em meio a toda tristeza em que viviam, e era, de fato, considerada um membro bem especial da família.

Ilustração de Vinícius Mattoso, em estilo da xilogravura usada nos cordéis, retrato da família de Vidas Secas.



Realmente, tendo em vista toda a riqueza de detalhes psicológicos com que Graciliano Ramos apresenta suas personagens, ler Vidas Secas se torna algo mais que prazeroso, torna-se envolvente ao ponto de sentirmos que também fazemos parte daquela família, daquela realidade, daquele universo. E a história termina onde começa: numa caminhada sem rumo pela caatinga e pelas terras áridas do solo nordestino, fato que se torna bem passível de várias continuidades possíveis que nós, leitores, podemos muito bem determinar, é só usarmos nossa imaginação...


por Edvander Pires



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