segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Um Certo Capitão Rodrigo

Erico Verissimo (1905-1975) foi, e é, um dos escritores de maior sucesso neste país. Há boas razões para tal. Em primeiro lugar, a sua ampla visão histórica e social, particularmente do Rio Grande do Sul, o estado onde nasceu e viveu. Depois, a sua extraordinária capacidade narrativa. Por último, mas não menos importante, o seu dom de criar personagens. Essas três qualidades estão presentes em Um Certo Capitão Rodrigo, da monumental trilogia O Tempo e o Vento, que é o épico gaúcho: cobre, em três volumes (O Continente, O Retrato, O Arquipélago), praticamente toda a história do Rio Grande do Sul, desde a conquista do território aos espanhóis, no século XVII, até meados do século XX.

Acompanhamos a trajetória de Rodrigo Cambará, veterano guerreiro, que, em 1828, surge – a cavalo, cabeleira ao vento, violão a tiracolo – no fictício povoado de Santa Fé. Chegado ao jogo, à bebida e a mulheres, é uma figura desafiadora, que destoa dos pacatos moradores da vila, governados com mão de ferro pelo tirânico coronel Ricardo Amaral Neto. Mas Rodrigo não sairá dali, apaixonado que está por Bibiana, filha do rude Pedro Terra e cortejada por Bento Amaral, filho do coronel Ricardo, que assim tem uma razão a mais para não gostar do forasteiro Rodrigo, que sempre enfrentou com destemor o desafio de matar ou morrer, e não recuará. O resultado é uma história que prende e fascina o leitor do começo ao fim (a cena do duelo entre Rodrigo e bento é antológica).

Rodrigo Cambará corresponde à imagem clássica do gaúcho, destemido, aventureiro, mulherengo, mas também autêntico e generoso. Erico, porém, estava atento ao estereótipo, à caricatura; seu personagem é complexo, contraditório. O autor não nos fala só do Rio Grande do Sul. Ele nos fala da condição humana. Por isso, Um Certo Capitão Rodrigo é grande literatura.


Moacyr Scliar

Colunista da Folha de São Paulo.

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