terça-feira, 30 de junho de 2009

Diva

Diva (1864), um dos romances de José de Alencar catalogados na série “perfis de mulher”, tem como cenário o Rio de Janeiro. Tal os outros romances urbanos, retrata a sociedade burguesa, com suas crises, seus desajustes, suas intrigas amorosas, com seus heróis e heroínas redimindo-se à força devastadora do amor que acaba sempre tendo êxito, por ser a energia motriz da humanidade.



A história se passa em 1855. Geraldo, irmão de Emília (Mila), vai à casa de Augusto Amaral, médico recém-formado, pedir-lhe que vá ver-lhe a irmã que se encontra enferma. Augusto chega à casa do Sr. Duarte e, logo à vista da indicação dos sintomas, narrados pela tia Leocádia, conclui tratar-se de uma afecção pulmonar. Tendo necessidade de auscultar-lhe o peito, Augusto, advertido, pela tia, da pudicícia da adolescente então com 14 anos, aproveita o instante em que Emília dorme para fazê-lo. No entanto, àquele contato, a menina, sentindo-se violentada em sua pureza, senta-se na cama, peito ofegante e, com palidez mórbida, irrompe em insultos ao médico. Tomada de rancor, a enferma não mais permite a entrada de Augusto em seu aposento. Este vinha vê-la nos momentos em que ela adormecia e, mal lhe apalpava o pulso, ela sobressaltava-se o expulsando do quarto. Contudo, os brios de médico recém-formado exigem de Augusto um desafio. O que foi feito. Assume a responsabilidade de curar aquela enfermidade, já que uma vida está prestes a ser sacrificada. Afinal, vence a Medicina, e a menina Emília recupera-se. O pai, abastado negociante, sente-se na obrigação de recompensar o jovem médico. Este, porém, nada aceita. Contudo, diante da insistência do pai, Augusto promete-lhe aceitar a recompensa caso venha, no futuro, a necessitar dela.



Passadas as ocorrências, Augusto vai a Paris aprimorar seus conhecimentos. Ao regressar, reencontra Emília, agora, com dezessete anos. Só então ele se dá conta da grande transformação ocorrida na donzela. De menina feia, que conhecera desengonçada, a uma mulher esplendorosamente bela: uma Diva, em toda a sua pujança do significado da palavra. Reacende-se nele aquela chama que começara a arder anos atrás. Com o passar dos dias, sempre a vendo derramar luxo e beleza pelos bailes, sendo alvo das atenções dos moços interessados em altos dotes, Augusto enciúma-se. Está rendido àquele amor. No entanto, Emília passa a humilhá-lo a tal ponto que este, desapontado, também a ofende. Dá-se outra transformação, dessa vez, interior: a moça confessa-lhe que tem por ele uma grande amizade, que não pode viver sem ele. A partir daí, entre a ilusão e a incerteza, Augusto sofre por não entender aquele comportamento complexo e desconcertante de Emília, que o vai deixando cada vez mais perplexo e, paradoxalmente, mais apaixonado.

Na posição de narrador-personagem, ele não conhece o que se passa no interior de Mila, que aspira a um amor capaz de anular a ela própria para que, assim, possa viver em função do homem amado. Sabe que o ama, mas não lhe diz por medo de ver fugir esse amor, cujas primeiras sensações acalenta desde quando o jovem médico auscultou-lhe o peito em febre. Ao mesmo tempo, não lhe perdoa e o repudia por lhe ter despertado sensações eróticas que julga pecaminosas. Estabelece-se aí o chamado “complexo de pudor”, que vai levar os dois a experimentar situações das mais complicadas. Quanto mais cresce o amor, mais crescem as dúvidas de Augusto diante da superioridade da mulher amada, também conflitada pelo complexo psicológico que a devora. O namoro, porém, evolui quando o encontro entre eles se dá em ambientes naturais, característica própria da escola romântica, em que a natureza passa a interferir no comportamento dos amantes, envolvendo-os numa atmosfera de sonho, fantasia, servindo-lhes de evasão ao materialismo e à hipocrisia reinantes no luxo dos bailes sociais. Nesses instantes, longe dos jogos de interesse e das futilidades, é que afloram os verdadeiros valores dos protagonistas: pureza, dignidade, franqueza, honestidade. O desfecho ocorre quando o Dr. Augusto Amaral, cansado de carregar aquela paixão recalcada, grita-lhe que a quer apenas porque é rica, motivo pelo qual se encantara com a sua beleza. Em cena belamente descrita nos capítulos finais, os dois acabam deixando-se atrair pelo amor que os une arrebatadoramente...


por Giselda Medeiros (2002)
Presidente Nacional da Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil; da Academia Cearense de Letras; da Academia Cearense de Língua Portuguesa.

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